
O Antissemitismo Está Naturalizado no Brasil?
Por Alberto Adler
Em 20 de abril de 2020, Ciro Gomes, que é pré-candidato à Presidência da República, ao falar de grupos que apoiam Bolsonaro, falou “esses corruptos da comunidade judaica, que acham que, porque são da comunidade judaica, têm direito de ser corrupto (sic)”. Menos de um mês depois, no YouTube, quando um entrevistador comentou, referindo-se aos apoiadores de Bolsonaro, “Eu nunca vou entender por que os caras andam com a bandeira de Israel”, Ciro respondeu: “Ah não? Procura saber de onde veio o dinheiro para o financiamento dos grupos de WhatsApp dele na campanha”.
As falas de Ciro são maldosas em vários sentidos: primeiro, insinua que membros de uma etnia se acham no direito de serem corruptos por pertencerem a este grupo. Também atribui a uma comunidade, de milhares de indivíduos, um comportamento monolítico orquestrado, como se todos judeus do país tivessem uma mesma posição política e conspirassem secretamente em prol dela. E reforça o velho preconceito de que todos judeus são ricos (quem me dera) e ditam os rumos da economia. Em um país onde existem milhões de miseráveis, este argumento pode facilmente incitar a turba contra estes supostos manipuladores. Aliás, essa alegação de que judeus são ricos e conspiram pelos seus interesses particulares em detrimento do restante da população foi largamente usada pelos nazistas. Depois, ao saber que seria processado pela CONIB, Ciro pediu desculpas.
E aqui vale uma ressalva: as bandeiras de Israel nos eventos bolsonaristas são uma manifestação dos evangélicos, que creem que Jesus só voltará após o reestabelecimento de Israel como Nação — e que existência do Estado de Israel, cuja bandeira eles ostentam, significa que a volta dele estaria próxima.
Em 20 de junho de 2021, em publicação no jornal A Tarde, um dos maiores do Nordeste, o jornalista Levi Vasconcelos, citando o jornalista Carlos Alberto Sampaio (que é de uma cidade do interior da Bahia), afirmou que em “um caso típico de influência estrangeira que só tem um alvo, o lucro”, no oeste baiano a grilagem de terras tem anuência da justiça, porque os bancos que atuam na região são controlados por judeus sefarditas e estes exigem os títulos das terras como garantia de empréstimos — ora, Itaú, Banco do Brasil, Santander e Bradesco também o fazem e ninguém questiona a que etnia pertencem os dirigentes destes bancos.
No dia 22 de janeiro deste ano, no site do Brasil 247, uma jornalista chamada Lucia Helena Issa deu um show de antissemitismo. De acordo com o coletivo Judeus Pela Democracia, ela faz “comentários conspiracionistas e revisionistas, diz que a comunidade judaica carioca fez tráfico de prostitutas, faz referência a Israel como paraíso mundial dos pedófilos, ainda dizendo que Israel é a ‘Terra prometida de pedófilos’, implicou que os judeus encobrem os crimes de judeus, disse que judeus não são condenados porque são ricos, saem sempre livres dos seus crimes, falou que Bolsonaro é financiado por judeus brasileiros, argentinos, israelenses, chamou todos os judeus de covardes e acusou a todos de vitimismo. Também afirmou que o sionismo tem ligação e é primo-irmão do nazismo, entre outros absurdos inacreditáveis”.
Esta semana, no dia seguinte ao tal Monark e o Kataguiri defenderem a legalização de um partido nazista no Brasil e o direito de “ser antijudeu”, vimos um diretor do MBL dizer que torce pela destruição total de Israel. Veja bem: o cara é diretor do mesmo movimento a que pertence o Kataguiri e se sentiu à vontade para falar isso menos de 24 horas depois de surgir a polêmica do Flow Podcast.
E ainda tivemos um apresentador da Jovem Pan, Adrilles Jorge, mandando um “sig heil”, a saudação nazista, em rede nacional e dando um sorrisinho sarcástico no melhor estilo “Fiz mesmo. Danem-se”. Para ele, zombar do Holocausto é um recurso válido para ganhar holofotes. A exemplo de todos os outros, pediu desculpas, disse que foi mal interpretado.
No entanto, ao longo do programa, o próprio Adrilles, tentou relativizar o Holocausto, mostrando-o como um mal menor quando comparado ao total de mortes que o comunismo causou. Este também é um argumento de fundo antissemita, já que banaliza o Holocausto, como se o extermínio de judeus fosse algo sem tanta importância, dando lugar para que (mesmo que lentamente) radicais voltem a falar em exterminar judeus — ou outros grupos étnicos, raciais, sociais, ou de outra natureza, que os desagradem.
Aliás, segundo o levantamento feito pela antropóloga Adriana Dias, que pesquisa o tema há duas décadas, entre maio de 2015 e maio de 2021 o número de células neonazistas no Brasil saltou de 75 para 530. E ninguém liga, só os judeus.
Há muito mais dados e fatos, mas acho que o que já descrevi até aqui demonstra claramente que pessoas nas mais variadas posições em nossa sociedade, aqui incluídos importantes organizações e veículos de comunicação, que dificilmente falam qualquer coisa sobre outras minorias, sentem-se à vontade para vilipendiar, ultrajar e insultar judeus. E estes ultrajes, que acontecem com frequência cada vez maior, não são exclusividade de nenhum grupo étnico ou político, vêm de todos os lados. E não incomodam a ninguém que não os próprios judeus.
Então, se a maioria dos episódios que descrevi passaram batidos para a maioria dos brasileiros, inclusive para você, será podemos dizer que o antissemitismo se naturalizou entre os brasileiros? Eu acho que sim. Qual a sua opinião?