Eu, Gordon Banks.
Por Alberto Adler
Há dez dias meu pai morreu. Qualquer tentativa de descrever o misto de dor e ausência é fútil, então não falarei sobre meu luto.
Falarei sobre como pequenas palavras podem fazer a diferença na hora de confortar alguém.
Quando eu tinha 5 anos, o Brasil foi tricampeão mundial de futebol. Era 1970, o escrete canarinho era o melhor de todos os tempos e no baba todos queriam ser Pelé, Tostão, Jairzinho ou Rivelino. E eu era péssimo de linha. Então, não era excluído dos babas, mas era sempre escolhido pro gol. Era frustrante.
Domingo, voltando pra casa depois de um dia no clube, meu pai perguntava se eu tinha feito algum gol e eu, constrangido, respondia que tinha jogado no gol. Minha mãe e minhas irmãs entendiam que goleiros não fazem gol. Mas, meu pai entendia o que era ser goleiro: perna de pau, pereba. E eu sabia que ele sabia.
Um dia, porém, enquanto eu chorava porque queria jogar na linha e não no gol, Sérgio Krutman, um garoto uns três anos mais velho que eu, me explicou que haviam grandes jogadores que atuavam no gol, Gordon Banks, por exemplo.
Banks era o goleiro da seleção da Inglaterra, o melhor do mundo, quase parara Pelé e companhia. Se todos no baba encarnavam Carlos Alberto, Gerson e Piazza, por que eu não encarnaria o Banks?
Então fiz isso. E durante um tempo deu certo. Até que, em 1972, Gordon Banks perdeu a visão de um olho, num acidente de carro. Foi uma catástrofe. Em termos de apelido, foi o que chamam por aí de volta do cipó de aroeira. Eu, que era até um goleiro razoável, me tornara Gordon Banks, o goleiro caolho.
Esse episódio me forçou a voltar insistir a jogar na linha. Eu nunca fui craque, mas não era tão ruim quanto pintavam na época da Copa. Com o tempo, o apelido Banks sumiu.
No entanto, agora, quando vieram me abraçar e prestar condolências, alguns amigos me chamaram de Banks. O apelido não tem mais nada a ver com futebol. É só uma forma condensada e carinhosa de dizer “somos amigos há muito tempo”. Um apelido de infância acolhe, conforta e resgata sensações de pertencimento.
Gordon Banks? Sou eu mesmo. Ainda sou eu mesmo.